Fonte.: CanalEnergia
A herança da MP nº 579 deve se limitar à lição aprendida, jamais de procriar pretensos beneficiários sem causa justa e perfeita
Mario Dias Miranda, da Abrate Presidente executivo da Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica
A ANEEL encerrou a árdua e complexa atividade iniciada em 2016 ao estabelecer novos parâmetros regulatórios visando ao novo ciclo de revisão tarifária das concessões de transmissão.
Foi aprovado o novo banco de preços de referência, balizador da receita teto para os certames de leilão e para as obras autorizadas de Reforços e de Melhorias. Os parâmetros econômicos foram atualizados, destacando-se os aplicáveis aos leilões, os pertinentes às concessões prorrogadas e os que regulam as receitas para as obras de Reforços e Melhorias.
Neste ciclo foram incluídas as receitas das novas instalações que entraram em operação comercial, que alcançam cerca de 22 mil km de novas linhas de transmissão e de 57 mil MVA de capacidade adicional de transformação, logrando cumprir o planejamento e propiciar a infraestrutura necessária para a integração de geradores aos consumidores.
Neste ambiente revisional a ANEEL incluiu o pagamento da compensação financeira para as transmissoras prorrogadas, devido à então MP nº 579/2012 (Lei nº 12.783/2013). Trata-se da chamada parcela RBSE, que são os bens não totalmente amortizados ou depreciados existentes antes de maio/2000.
O resultado ensejou a majoração da tarifa do consumidor em 3,92%, segundo cálculos da ANEEL, concorrendo para o debate por dar causa à elevação da tarifa em ambiente sensível do COVID-19, que afeta toda a socioeconomia. Resulta então a questão se este é o melhor momento para a inserção de pendências na tarifa.
Caso a RBSE tivesse sido incluída na revisão de 2017, data formal de sua inserção, a aplicação da lei causaria menor impacto ao consumidor. Pois, conforme destacado à época, havia uma janela de oportunidade, vez que o financiamento da Conta-ACR estava se encerrando no período, comportando aquele pagamento devido.
No entanto, grupo de consumidores especiais, insatisfeitos com o arcabouço legal-regulatório para a RBSE, obteve em 2017 efeito suspensivo da medida. Vencida esta Liminar, retorna-se ao cumprimento da lei.
Passados oito anos, ainda se trata da MP nº 579/2012, com seus efeitos, em que muitos acreditavam que a tarifa poderia ser reduzida a um passe mágico, e que freneticamente aplaudiram a sua edição.
Não há como desconsiderar o ato jurídico perfeito, a partir do qual foi estabelecido o contrato de concessão com a União, sob o manto inafastável da Lei Geral de Concessões.
A herança da MP nº 579 deve se limitar à lição aprendida, jamais de procriar pretensos beneficiários sem causa justa e perfeita.
A ausência de regulamentação da lei nº 12.783/2013 provocou insegurança à época e trouxe riscos aos leilões, e fez com que os poucos investidores que participaram dos leilões passassem a exigir maiores taxas de retorno se comparadas com os certames anteriores, o que afetou a modicidade tarifária.
As transmissoras que tiveram seus contratos prorrogados ficaram o período de janeiro/13 a julho/17 sem capacidade financeira, o que concorreu para a perda de valor, vez que suas receitas foram reduzidas em cerca de 70%.
Foi uma dura e isolada travessia neste deserto financeiro, embora obrigadas a manter adequada a prestação do serviço, por isto, captaram financiamento a alto custo por não terem recebíveis a dar em garantia, e cujo custo não é repassado ao consumidor.
Somente após a regulamentação da RBSE, mediante a Portaria MME nº 120/2016, a percepção de risco melhorou e os leilões voltaram ao seu curso de sucesso continuado, sob forte competição, cujos deságios revertem-se diretamente à modicidade tarifária.
No entanto, no bojo da revisão tarifária, mesmo após a publicação do Plano de Obras de Ampliação e Reforço, consolidadas pelo poder concedente – MME, e mesmo após a sua resolução autorizativa – marco formal da regulamentação, a ANEEL entendeu pela necessidade de reclassificar aquela decisão do MME e a sua própria.
Ora, esta decisão, às vésperas da revisão tarifária, ao reclassificar unilateralmente as obras obrigatórias de Reforço – propostas pelo ONS, por serem próprias de estudos de expansão, para obras de Melhoria – que são elegíveis por serem atinentes às transmissora – , traz como consequência, a nosso ver, reformular a decisão do poder concedente. E mais, altera o recebimento da receita, pois, as transmissoras licitadas, que foram obrigadas a executarem as obras de Reforço, no entender da ANEEL não terão direito a nenhuma receita por terem – ao final do jogo – se transformado em obras de Melhorias.
O entendimento da ANEEL de que obras de Melhoria não devem ensejar adicional de receita às concessionárias licitadas deu causa ao pedido de reconsideração. O Manual de Contabilidade regulatória define os gastos que devem ser classificados como manutenção ou investimentos, sendo que os concessionários não previram a realização de quaisquer reinvestimentos sem a devida contrapartida em receita quando entraram no negócio.
O segmento de transmissão segue seu curso de prestação adequada do serviço, provendo a necessária infraestrutura para os agentes de geração e consumidores, com nível de qualidade de 99,9%, comparável com as melhores práticas. No entanto, o respeito aos contratos é um dos pilares para a estabilidade jurídica, fator fundamental em um segmento regulado. Ademais, a previsibilidade regulatória é fundamental para a atração de investimentos na infraestrutura brasileira.
Mario Dias Miranda é Presidente executivo ABRATE (Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica)