Expectativas para o setor são “extremamente positivas” para curto e médio prazos
ENTREVISTA COM MÁRIO MIRANDA, DA ABRATE
Para a Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), o sucesso nos dois últimos leilões de infraestrutura de transmissão de energia elétrica revela que os investidores superaram o risco regulatório introduzido pela Medida Provisória 579, editada em setembro de 2012, que cortou em 70% as receitas do setor de transmissão para acomodar o programa político da ex-presidente Dilma Rousseff de reduzir as tarifas de energia em 20%.
Entre 2013 e 2015, os leilões de transmissão foram praticamente esvaziados em razão das incertezas introduzidas pela MP 579, depois convertida da Lei 12.783/2013. Esse cenário foi revertido em 2016 quando a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Ministério de Minas e Energia (MME) promoveram ações para recuperar a atratividade do segmento. No leilão realizado em 24 de abril, houve uma média de 4,7 proponentes por lote. O certame terminou com a negociação de 31 dos 35 lotes ofertados. A expectativa é que sejam viabilizados investimentos da ordem de R$ 12,7 bilhões, de acordo com dados da Aneel.
Em entrevista à Agência CanalEnergia, o presidente da Abrate, Mário Dias Miranda, disse por e-mail que as expectativas para o setor são “extremamente positivas” para curto e médio prazos. “O investidor já se afastou dos riscos da MP 579, cuja regulamentação feita em 2016 ajusta a forma de recebimento pelas transmissoras que aceitaram a antecipação da concessão, trazendo a necessária segurança legal-regulatória”, afirmou. Miranda participará do principal evento político regulatório do setor elétrico brasileiro, Enase 2017, promovido pelo Grupo CanalEnergia com o apoio de 20 associações ligadas ao setor elétrico. Neste ano, o tema central será a evolução do modelo setorial, desafios e propostas. O evento será realizado nos dias 17 e 18 de maio, no Centro de Convenções Sulamérica, no Rio de Janeiro.
Agência CanalEnergia: Para Abrate, qual é o aspecto mais urgente que precisa ser corrigido no atual modelo regulatório do setor elétrico brasileiro?
Mário Miranda: O modelo gestado no final de 1990, e ajustado em 2004, necessita ser aprimorado frente ao novo ambiente que vivemos. Sejam quais forem as mudanças é preciso dar previsibilidade às regras e sustentabilidade econômico-financeira às concessões de serviços públicos.
Agência CanalEnergia: Quais as expectativas para a expansão do setor de transmissão no Brasil no curto e médio prazo?
Miranda: Extremamente positivas, haja vista os resultados dos certames de leilões realizados em outubro/16 e abril/17, nos quais estão previstos investimentos da ordem de R$ 25 bilhões. Está previsto novo leilão, provavelmente para outubro, já com um modelo aceito pelo mercado investidor. No horizonte 2022 a EPE [Empresa de Pesquisa Energética] prevê investimentos da ordem de R$ 39 bilhões. O Plano Decenal de Expansão aponta para investimentos da ordem de R$ 108 bilhões no período. O fato é que os investidores estão retornando ao segmento em que os lotes ofertados estão sendo arrematados, com baixa apresentação de lotes vazios.
Agência CanalEnergia: Como explicar que o setor considerado o de menor risco dentro do setor elétrico também é o que oferece melhor rentabilidade?
Mário Miranda: Estamos passando por uma segunda onda de afirmação do segmento de transmissão. No início, com a segmentação da atividade nos anos 1990 impunha-se a necessidade de atração dos investidores, por isto a rentabilidade dada diante de riscos inéditos. Atualmente, devido ao risco da falta de segurança legal-regulatória oriunda das decisões tomadas em 2012, houve novamente que promover nova atração dos investidores. Recorde que após 2012 chegamos a ter somente um lote arrematado a cada três ofertados. Em outubro de 2016 recuperamos o índice de 1,8 proponente por lote e, em abril de 2017, alcançamos 4,7. Isto significa que o investidor já se afastou dos riscos devidos a MP 579. A regulamentação feita em 2016 ajusta a forma de recebimento pelas transmissoras que aceitaram a antecipação da concessão, trazendo a necessária segurança legal-regulatória.
Agência CanalEnergia: Quais são os principais desafios do setor de transmissão atualmente?
Mário Miranda: As concessionárias precisam ser sustentáveis economicamente. Precisamos também evitar a judicialização do setor elétrico. Além disso, o planejamento da expansão de transmissão necessita ser cumprido dentro do prazo, a bem dos concessionários de geração e de distribuição, que conduz, em última instância, na adequação da prestação de serviços de eletricidade ao consumidor. Há a necessidade de estabilização do ambiente de licitação das concessões de transmissão, vez que a conjuntura econômica ainda se apresenta em condições desequilibradas devido à forte recessão no período, na qual as aquisições de bens e serviços podem se apresentar com distorções diante das condições de mercado saudável.
Agência CanalEnergia: O que podemos esperar, em termos de desempenho, das primeiras linhas de ultra alta tensão no Brasil?
Mário Miranda: Todo início de operação comercial de instalações inéditas gera aprendizados, devido ao estado da arte tecnológica quanto a sua aplicação em ambiente tropical e em especial na Amazônia. O Brasil tem histórico de enfrentar desafios tecnológicos desde os anos 1980, com a LT de corrente contínua de Itaipu em 600 Kv e também a LT em 750 KV. Nesta mesma época foi implantada linha de transmissão em 500 KV entre a UHE Sobradinho e Belém, com mais de 2 mil KM de extensão, interligando o Nordeste à Amazônia. Soubemos adquirir a experiência necessária.
Agora, estamos enfrentando a operação de linhas em corrente continua 600 KV entre Porto Velho e Araraquara em São Paulo com cerca de 3.200 km de extensão, atravessando diversos ambientes climáticos e geográficos. Encontra-se em construção a LT corrente contínua Belo Monte ao Rio de Janeiro, em 800 KV, também de extensão grandiosa, com desafio à altura do concessionário. O fator de sucesso é a capacitação do profissional e do adequado planejamento da logística, face as grandes distâncias, em ambiente de pouco suporte às necessidades.