Fonte.: Agência Reuters / Por Luciano Costa
Para retomar o licenciamento ambiental de um importante linhão de transmissão de energia em Roraima, o governo do presidente Jair Bolsonaro comprometeu-se junto aos índios Waimiri-Atroari a seguir orientações de prevenção contra o novo coronavírus sugeridas pela etnia, que terá parte de suas terras cruzadas pelo empreendimento.
Entre essas medidas preventivas, devido à grande preocupação dos indígenas com a pandemia, está a exigência de isolamento prévio e testagem dos profissionais que adentrarão o território dos nativos, disse à Reuters a Fundação Nacional do Índio (Funai).
Licitada ainda em 2011, a linha de transmissão está sob responsabilidade de um consórcio entre a estatal Eletronorte, da Eletrobras, e a privada Alupar, mas as empresas até hoje não obtiveram a licença de instalação, necessária para iniciar as obras.
No momento, a emissão da licença aguarda a conclusão do chamado “componente indígena”, a cargo da Funai, etapa que envolve consulta aos nativos sobre o projeto e ficou paralisada por meses devido à disseminação da Covid-19, uma vez que os índios optaram por se isolar totalmente como forma de proteção.
Agora, houve acordo para retomada a partir do próximo mês, o que envolverá o envio pela Funai de profissionais ao território dos Waimiri-Atroari com o objetivo de traduzir para o idioma deles documentos sobre o empreendimento de energia. A tradução será feita pelos próprios índios com apoio de dois professores que já atuaram antes com o idioma, segundo o órgão estatal.
“Os professores irão seguir o protocolo Waimiri-Atroari, conforme solicitado pela etnia, o que inclui quarentena de 14 dias e testagem antes da entrada em Terra Indígena”, afirmou a Funai em nota à Reuters.
“Dessa forma, pode se garantir que os trabalhos de tradução sejam realizados com toda segurança, respeitando as medidas de saúde necessárias”, acrescentou.
A aceitação pela Funai das exigências dos índios vem após uma carta deste mês dos Waimiri-Atroari em que eles mostraram temer o vírus e disseram que contatos anteriores entre nativos e o “desenvolvimento” não geraram os benefícios a eles prometidos.
“Somos extremamente vulneráveis às doenças dos Kaminja”, afirmam, em referência aos não-índios. “TEMOS MUITA PREOCUPAÇÃO!”
Os nativos disseram ainda que nenhum deles contraiu a Covid-19 até o momento e rejeitaram oferta da Funai de uma “carona” de helicóptero para o deslocamento dos indígenas que participarão da tradução.
Esses nativos deverão se encontrar com os profissionais da Funai para os trabalhos no chamado Núcleo de Apoio Waimiri-Atroari (NAWA), às margens da BR-174, onde os tradutores se isolarão e farão os testes de Covid-19.
“Decidimos fazer o deslocamento desses tradutores indígenas por meios próprios, inteiramente por dentro dos caminhos tradicionais da terra indígena, sem passagem ou aproximação aos municípios de Kaminja que ficam próximos à terra indígena e sem qualquer contato com militares e pilotos que, com certeza, não poderão se submeter às condições de quarentena indicadas”, afirmaram.
Eles defenderam ainda que “todas medidas de segurança sejam rigorosamente seguidas sem exceção ou flexibilização” e destacaram que a consulta deve acontecer antes de uma decisão tomada sobre a construção do linhão.
“NÃO ABRIMOS MÃO DISSO!”, alertaram.
O linhão de transmissão, que conectará Roraima ao Amazonas, terá cerca de 750 quilômetros de extensão, dos quais cerca de 120 km passariam pelas terras dos Waimiri-Atroari.
O empreendimento é importante para cessar a dependência de Roraima de caras termelétricas locais e de importações de energia da Venezuela, suspensas há tempos devido à crise no país vizinho.
O presidente Jair Bolsonaro declarou o linhão como projeto prioritário e estratégico no ano passado, em tentativa de acelerá-lo, mas não adiantou. Mais recentemente, em meio às dificuldades para avançar, Bolsonaro chegou a afirmar que o governo sofreria “achaque” de índios e organizações não-governamentais nas negociações sobre o projeto.