Fonte MegaWhat
Por: Tiago Aragão Soares
O baixo crescimento histórico do PIB brasileiro decorre, em grande medida, de como as regras são estabelecidas para que a economia funcione. Nesse sentido, aprimorar as regras tributárias do país possui o potencial de reverter esse quadro ao incentivar melhor alocação de capital, por meio da correção de distorções, e tornar mais eficientes os incentivos à produção e ao consumo.
A estratégia do Ministério da Economia foi dividir a reforma tributária em fases, uma para cada tema chave: i) unificação e simplificação do PIS/COFINS; ii) reformulação sobre o imposto de renda para pessoas, empresas e investimentos; iii) desoneração da folha de pagamento; e iv) criação de imposto digital.
A primeira fase foi apresentada ao congresso há um ano (PL 3.887/2020) e está em tramitação. No mês passado o governo apresentou a segunda fase (PL 2.337/2021), para a qual existe a perspectiva do governo de estar aprovada no congresso até o final do ano. As fases três e quatro sequer foram apresentadas.
O objetivo desse texto é analisar de forma não exaustiva os potenciais impactos econômicos no segmento de transmissão, decorrentes das alterações contidas na proposta recém apresentada pelo governo.
Uma das propostas mais relevantes trata da criação da tributação sobre dividendos. Nas contas do governo, a criação de alíquota de 20% ocorreria concomitantemente à redução em 5% do Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ). Trata-se neste caso de tributar menos o lucro no momento em que ele é gerado, e passar a tributar o mesmo lucro no momento em que ele é distribuído.
Diferente dos segmentos que possuem liberdade para estabelecer seus preços, grande parte das empresas do setor de infraestrutura não o tem, pois sua definição depende de decisão da agência reguladora.
Na Reunião da diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) da última terça-feira, 6 de julho, foi pautado o estabelecimento das receitas das transmissoras para o próximo ciclo, e aproximadamente metade da receita (16 bilhões por ano) é atinente a instalações licitadas, enquanto a outra metade é apurada por meio da conversão de uma base de investimentos em receita, que considera o parâmetro de retorno regulatório, e os impostos.
Ocorre que a Lei 8.987/1995 versa sobre o regime de concessões e, em seu o art 9°, cria obrigação do Poder Público em rever a tarifa, para mais ou para menos, quando houver a criação, alteração ou exclusão de quaisquer tributos ou encargos legais, ressalvados os impostos sobre a renda.
Portanto, a referida Lei não obriga qualquer alteração da receita das transmissoras em função das propostas mencionadas, uma vez que tratam de impostos sobre a renda. Dito isso, há três interpretações possíveis para suas consequências. A primeira é de que ambas as propostas, seja para o IRPJ ou para a tributação de dividendos, não devem ensejar qualquer alteração da receita das transmissoras, mesmo que comprovado o impacto às concessionárias. A segunda interpretação é de que o cálculo de parte significativa da receita do segmento contempla uma etapa de majoração devido à cobertura do IRPJ, e que pelo princípio da motivação o regulador deveria alterar seu cálculo. E a terceira é uma combinação das duas anteriores, quer seja, algumas componentes da receita devem sofrer alterações, e outras não.
Nesse sentido, a mera redução de 34% para 29% do IRPJ/CSLL poderia ensejar a redução da receita das transmissoras. Contudo, tal alteração precisa ser avaliada conjuntamente à criação da tributação sobre dividendos, para o que ainda não se conhece forma de tratamento do ponto de vista tarifário. Vale ressaltar que não tratar da taxação de dividendos criaria a esdrúxula situação de reduzir-se a receita das concessionárias ao mesmo tempo em que se aumenta a tributação sobre seus investidores.
Aparentemente, as propostas apresentadas pelo governo implicam um aumento da carga tributária, e, portanto, a existência de discussão a respeito de como tratar as receitas do setor de infraestrutura é fundamental para garantir previsibilidade, transparência e segurança jurídica. Isto posto, ministérios e agências reguladoras poderiam iniciar discussão coordenada, por meio dos já tradicionais processos de audiência e consultas públicas.
* Tiago Aragão Soares é diretor de Assuntos Econômico-Financeiros da Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate)