Fonte.: Estadão / Por Pedro Prescott
No Brasil existem usinas distantes do centro de carga, o que torna vantajosas as linhas de transmissão de energia elétrica em corrente contínua. Em relação à corrente alternada, a transmissão em corrente contínua proporciona redução de perdas e de custos para grandes distâncias.
Em 1986 foi inaugurada o primeiro elo de transmissão em corrente contínua no Brasil: com capacidade de 6.300 MW e tensão de 600 kV duas linhas entre Foz do Iguaçu/PR e Ibiúna/SP hoje escoam energia da UHE Itaipu para a região Sudeste.
Décadas depois (entre 2011 e 2012), foi iniciada a operação de duas linhas em corrente contínua entre Porto Velho/RO e Araraquara/SP, com capacidade total de 6.300 MW e tensão de 600 kV para escoar energia das usinas Santo Antônio e Jirau.
Para a UHE Belo Monte, também foram construídas duas linhas em corrente contínua para escoar energia: a primeira, entre Xingu/PA e Estreito/SP, entrou em operação em dezembro de 2017, e a linha entre Xingu/PA e Terminal Rio/RJ, em outubro de 2019 ─ ambas com tensão de 800 kV e capacidade de escoar 4.000 MW de energia cada uma.
A transmissão em corrente contínua apresenta números superlativos no Brasil:
– mais de dez mil quilômetros de linhas de transmissão;
– a mais alta-tensão em operação no Brasil (800 kV) é utilizada nas linhas que escoam energia de Belo Monte;
– juntas, as linhas de corrente contínua podem transmitir quase 21 GW (cerca de metade do consumo do Sudeste/Centro-Oeste); e
– cerca de R$ 3 bilhões de custo anual pagos por geradores e consumidores, que equivalem a 12% da Receita Anual Permitida (RAP) no Sistema Interligado Nacional (SIN).
O custo de uma linha de transmissão deve ser inferior ao benefício por ela proporcionado no mercado de energia de forma que o investimento seja eficiente. A título de ilustração, simulamos o efeito nos preços da energia em 2020 decorrente da linha de transmissão entre Xingu/PA e Terminal Rio/RJ (última em corrente contínua a entrar em operação, com 4.000 MW de capacidade). Caso houvesse restrição total no uso da linha, ocorreria um aumento de custo, percebido no preço da energia, estimado em R$ 10 bilhões no ano de 2020. Ao comparar esse valor ao custo anual da linha, cerca de R$ 1 bilhão, o benefício líquido proporcionado por ela seria de R$ 9 bilhões. O exercício ilustra o efeito econômico da alteração nos limites de transmissão.
Nota-se que nos últimos anos ocorreram interrupções e restrições na transmissão das novas linhas de corrente contínua ─ com prejuízo para o uso pleno da capacidade de transmissão. Dados do ONS mostram que os índices de disponibilidade das novas linhas em corrente contínua podem melhorar. Nesse sentido, é essencial o desconto, previsto na regulamentação, aplicado sobre a receita das transmissoras em função de indisponibilidades apuradas.
Recentemente, tem-se restringido o uso da transmissão de corrente contínua sob a justificativa de garantir a confiabilidade do sistema. A possibilidade de interação adversa entre bipolos de corrente contínua, por falha de comutação, é um dos principais fatores para as atuais restrições na transmissão para a região Sudeste. Entretanto, como alternativas a essa medida estuda-se elevar a inércia e a compensação síncrona na mesma região, bem como a atuação de Esquema Regional de Alívio de Carga (ERAC).
Como mencionado anteriormente, a restrição de limites de transmissão pode resultar em aumento de custo para o sistema. No curto prazo, pode provocar diferenças de preços entre submercados, problemas de liquidez no mercado e perdas energéticas, a exemplo de vertimentos turbináveis nas hidrelétricas.
A grandiosidade da transmissão em corrente contínua no Brasil se manifesta na tensão, na distância percorrida pelas linhas, na capacidade de escoamento de energia e na redução de custos que suportou a decisão de sua implantação. Para que os benefícios superem os custos, é essencial que se busque o uso dos limites até a capacidade nominal das linhas de transmissão, aproveitando ao máximo os recursos disponíveis no sistema.
*Pedro Prescott é especialista em Energia da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (ABIAPE)