23 fev 2021

Ingerência nas tarifas de energia cria receios

Fonte.: Valor Econômico.

Especialistas lembram efeitos negativos da MP 579 de 2012 Por Gabriela Ruddy — Do Rio

A afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que pretende “meter a mão na energia elétrica” gerou receio de que interferências políticas voltem a assombrar o setor, que sofreu ao longo da última década para se recuperar da Medida Provisória 579/2012, da então presidente Dilma Rousseff. Na época, a medida buscou baixar a conta de luz artificialmente por meio da renovação antecipada de concessões, o que teve impactos negativos sobre o fluxo de caixa das empresas. Hoje, as discussões para redução das contas de energia consideram o uso de créditos aos consumidores por cobranças indevidas nas tarifas da alíquota de ICMS sobre a base de cálculo PIS/Cofins.

O setor tem a receber R$ 50,1 bilhões de cobranças tributárias indevidas. Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as empresas têm direito ao crédito do que já foi pago. Depois houve uma discussão de que o valor deveria ser repassado ao cliente. A operação ainda padece de regulamentação pela Agência Nacional do Setor Elétrico (Aneel). A agência colocou em consulta pública neste mês uma proposta que prevê a devolução por meio de abatimento nos próximos reajustes tarifários em um prazo de cinco anos. O receio agora é que Bolsonaro apresse a devolução para que os valores sejam injetados na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo para políticas públicas do setor elétrico custeado pelas tarifas.

Segundo o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da UFRJ, Nivalde de Castro, o receio do mercado é de uso político de um problema que está pacificado. “Se o presidente quiser levar esses recursos para a CDE vão ser necessárias alterações regulatórias. Isso pode causar ruídos. Uma ação de caráter político, quebrando as regras em vigor, vai ter consequências muito negativas. Acredito que a diretoria da Aneel e o Ministério de Minas e Energia vão orientar o presidente para evitar medidas drásticas”, diz Castro.

As falas de Bolsonaro sobre a redução das contas de luz vieram após o anúncio de substituição do presidente da Petrobras devido a reajustes no preço de combustíveis. Em meio a críticas sobre a falta de clareza da comunicação presidencial, outra especulação ouvida no mercado de energia é que Bolsonaro poderia usar os valores que a União tem a receber com a privatização da Eletrobras para aplicação na CDE. O cenário, no entanto, dificilmente deve ter impactos no curto prazo, já que a privatização da estatal segue travada.

Executivos veem como improvável uma nova redução artificial de preços de energia e defendem que uma mudança efetiva nas tarifas virá somente com a discussão da incidência de encargos e tributos sobre as contas. “O exemplo da MP 579 foi drástico, muito ruim. Toda interferência do Estado num setor regulado, como é o de energia elétrica, aumenta a percepção de risco do investidor e isso é remunerado com aumento a taxa de retorno esperada do investimento, o que no final representa um produto mais caro ao consumidor. Aumentando o risco, aumentará o preço da energia”, explica o diretor-presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Energia Elétrica (ABCE), Alexei Vivan.

No mercado, a impressão é de manutenção da estabilidade regulatória. Em conferência com analistas ontem, o novo presidente da EDP no Brasil, João da Cruz, disse estar tranquilo quanto ao cumprimento de contratos no país. “Não acreditamos que ideias ou rumores relativos ao não cumprimento unilateral de contratos ou alterações retroativas estejam na ordem do dia”, disse.

Executivos da ISA Cteep também acreditam no respeito aos acordos estabelecidos. “Evitar um aumento expressivo das tarifas faz sentido, não é ruim, a questão é a forma de fazer isso. Desde que haja respeito aos contratos e manutenção de um marco regulatório estável, não há problema”, afirma o diretor financeiro do grupo de transmissão, Alessandro Gregori.