02 mar 2021

MP da Eletrobras é alvo de 570 emendas

Tesouro corre risco de ficar sem recurso e valor de compensações regionais pode mais do que triplicar

Fonte.: Valor Econômico / Daniel Rittner — De Brasília

Com 570 emendas parlamentares apresentadas em dois dias, novo prazo regimental válido durante a pandemia, o governo Jair Bolsonaro terá um desafio de articulação política para manter as premissas da privatização da Eletrobras em medida provisória enviada ao Congresso Nacional.

Além de sugestões consideradas extremas e mais difíceis de emplacar, como a realização de um referendo nacional sobre o futuro da companhia (proposta por partidos de esquerda) e a retirada de uma “golden share” em sua modelagem de privatização (ideia do Novo), pelo menos quatro grandes frentes de pressão podem ser identificadas na leitura das emendas.

Duas delas afetam diretamente ovalor recebido pela União ao renovaras concessões de 14 hidrelétricas, que deixam de operar pelo regime de cotas (com preços fixos e mais baixos) – e passam a ter preços livres, além de novos contratos para as usinas de Tucuruí, Sobradinho e Itumbiara.

Essa operação está combinada com a chamada pública de capital em que os acionistas privados vão aportar recursos na Eletrobras, sem acompanhamento da União, assumindo então o controle da empresa. Para viabilizar tudo isso politicamente, o governo prometeu dividir os recursos da “descotização” de hidrelétricas em partes iguais: metade para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo que banca subsídios nas tarifas de energia, e metade para o Tesouro.

Também resolveu alocar R$ 8,7 bilhões em dez anos para medidas de compensação à bacia do rio São Francisco, à região Norte e à área de influência de Furnas como forma de diminuir a resistência de bancadas no Congresso.

Uma das duas frentes de pressão que colocam em xeque o valor a ser apropriado pelo governo é justamente o rateio dos recursos que a Eletrobras, depois de capitalização, pagará ao renovar suas concessões.

Os parlamentares acham que o Tesouro deveria ficar com participação menor – talvez nada. Uma das emendas, protocolada pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), prevê que 100% dos recursos sejam destinados à CDE para aliviar o impacto tarifário da privatização, retirando a parte do Tesouro. “Considerando que os consumidores foram os responsáveis pelo pagamento dos investimentos realizados nessas usinas, por meio de tarifas ou indenizações via CDE, nada mais justo e coerente que sejam também os mais beneficiados pelos recursos deste valor adicional.”

Os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Fabiano Contarato (Rede-ES) vão na mesma linha. O primeiro propõe que 66,7% da outorga pelas usinas vá para a CDE e apenas 33,3% para o Tesouro. O segundo sugeriu uma divisão 80%-20%. “São recursos que visam à queda da tarifa para a população de baixa renda, principalmente, e preço justo ao consumidor em geral”, diz Contarato.

Na outra frente de pressão com forte impacto financeiro, os parlamentares tentam elevar significativamente a fatura das ações compensatórias por regiões do país.

O texto original da MP 1.031 prevê a transferência anual de R$ 350 milhões da “nova” Eletrobras para medidas de revitalização do rio São Francisco, R$ 295 milhões para a redução estrutural do custo de energia no Norte e R$ 230 milhões para a recuperação das áreas de influência dos reservatórios de Furnas (no Sudeste). Tudo pelo período de

dez anos. Seriam R$ 8,75 bilhões aportados pela Eletrobras.

Mais de duas dezenas de emendas, apresentadas por deputados e senadores de diversos partidos, pressionam por um valor ainda maior. A maioria não mexe no aporte anual, mas estende o período de transferência para toda a vigência dos novos contratos de concessão das usinas hidrelétricas – 30 anos. Na prática, portanto, triplica o montante

repassado para as ações de compensação.

Boa parte das emendas inclui mais R$ 230 milhões anuais ao Sul do país, área de atuação da Eletrosul, subsidiária da Eletrobras que já teve seus ativos de geração privatizados nos anos 1990, mas ainda opera linhas de transmissão.

Na semana passada, logo após o envio da MP ao Congresso, o secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, disse que “não dá” para ter mais compensações no texto porque a Eletrobras precisará de recursos para investir.

A economista Elena Landau, ex-diretora da área de privatizações do BNDES e ex-conselheira de administração da Eletrobras, critica a estratégia usada pelo governo e acredita que haverá mais custos para obter o aval legislativo à MP. “Não se pode dar ao Congresso poderes para ditar a modelagem. É prerrogativa do Executivo modelar uma privatização. Cabe ao Parlamento autorizar ou não, dependendo o caso, e acompanhar

todo o processo.”

Elena enxerga a possibilidade de que “mais da metade” de todo o valor da capitalização seja destinado à CDE e aos aportes regionais.

“Quando você entra em uma negociação com o Congresso, o projeto original vira piso, nunca é o teto [do que se está disposto a ceder].”

Outros dois grupos de temas que concentram emendas à MP são garantias trabalhistas e incentivos à instalação de usinas térmicas inflexíveis (que funcionam ininterruptamente) movidas a gás natural. A primeira bandeira é levantada por parlamentares do campo mais à esquerda. Os senadores Jaques Wagner (PT-BA) e Paulo Rocha (PT-PA), por exemplo, têm uma proposta em comum: que a Eletrobras controlada

por acionistas privados mantenha, por um mínimo de cinco anos, pelo menos 90% do atual quadro de empregados. Outras emendas preveem a obrigação de que o Estado realoque, em estatais de outros setores, trabalhadores que não queiram ficar.

No caso das térmicas inflexíveis, que precisam de apoio oficial para a construção de gasodutos bilionários, um dos defensores é o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), um dos cotados na semana passada para a relatoria da MP.