Envelhecimento do parque de geração e transmissão e falta de recursos para pesquisa e inovação elevam o risco de não atender à demanda
Fonte.: Valor Econômico / Roberto Rockmann
O planejamento e a operação do setor elétrico ganharão ainda mais complexidade nos próximos anos, com os efeitos das mudanças climáticas sobre hidrelétricas e renováveis, o início do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) Horário, o acréscimo da geração distribuída solar na matriz, o envelhecimento do parque de geração e transmissão com importantes linhas de transmissão e usinas hidrelétricas das regiões Sul e Sudeste com mais de 40 anos de operação. Isso trará novas reflexões e debates para o futuro do setor.
Em operação, o Operador Nacional do Sistema (ONS) terá de ampliar sua coordenação e cooperação com os agentes, além de ganhar mais ferramentas que poderão contribuir para a agenda de modernização do setor. Já a Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), órgão estatal de planejamento, tem enfrentado nos últimos anos cortes em seu orçamento diante do cenário de crise fiscal, o que ameaça sua sobrevivência. A situação é ainda mais delicada, já que sua estrutura não permite receber doações financeiras de empresários.
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A EPE terá um trabalho diferente para os próximos anos. Além da expansão do sistema, a EPE já começa também a se debruçar sobre outro ponto do setor elétrico nacional: a modernização e potencialização de projetos de geração e transmissão, com avaliação da vida útil regulatória dos equipamentos e busca de alternativas para a substituição ou melhoria dos existentes. No início de abril, a preocupação sobre a sobrevivência da EPE era grande.
O orçamento de 2021 seria de R$ 40 milhões. Foi reduzido para R$ 26 milhões e este valor poderá cair para R$ 13 milhões com a aprovação do Orçamento da União a partir de abril. “A proposta como está é muito preocupante porque afeta a continuidade do trabalho da EPE em um momento em que há uma série de pontos importantes no setor como o RenovaBio, o mercado de gás natural, além do fato de que a EPE está expandindo seu escopo com uma mudança de paradigma. Mas estamos interagindo com o Ministério de Minas e Energia e temos tido apoio dele”, afirma seu presidente, Thiago Barral.
O presidente da consultoria de energia PSR, Luiz Barroso, que comandou a EPE entre 2016 e 2018, diz que o cenário atual é preocupante. “O aperto fiscal traz receio com a continuidade do trabalho fundamental que a EPE faz para o setor energético. O setor deve receber novas tecnologias, vê aumento da geração distribuída, então o escopo da EPE será outro, muito mais relevante porque as variáveis serão muitas e diferentes. Inteligência no planejamento se torna ainda mais essencial também em um momento em que as mudanças climáticas trazem reflexões e preocupações crescentes”, afirma. A EPE foi criada em 2004 com o novo modelo do setor elétrico, sancionado pelo presidente Lula em março daquele ano, com a ministra Dilma Rousseff tendo concebido a entidade, criada depois do racionamento de energia elétrica de 2001.
O planejamento deverá incorporar novas variáveis. Barroso aponta que as mudanças climáticas já estão trazendo repercussões para o setor. Basta olhar o que ocorreu no Estado norte-americano do Texas. Em fevereiro, uma onda de frio atingiu os Estados Unidos. Normalmente, a temperatura no Texas nessa época do ano variava entre 5 graus e 15 graus celsius. Mas os termômetros despencaram para inéditos 15 graus celsius negativos, o que tornou o Texas em fevereiro mais frio do que o Alasca. Como no Brasil, as casas texanas são projetadas para serem resfriadas, não para conservar calor. A demanda aumentou 15% durante o frio. Os geradores de todas as fontes, de carvão a renováveis, produziram muito menos energia do que o previsto. Os preços subiram muito – de US$ 40 o MWh para US$ 9 mil o MWh. Alguns consumidores registraram contas de mais de US$ 10 mil em um mês.
“Isso mostra a importância de incorporar a resiliência climática no planejamento e mostra como a tarefa de planejar está ainda mais complexa. O Brasil é bastante vulnerável por estar com uma matriz orientada em hidreletricidade e eólicas e solares, ou seja, chuva, vento e sol. A chance de ocorrer um evento extremo pode ser muito mais alta do que a estimada anteriormente. Isso é preciso ser avaliado porque poderá ter consequências muito grandes que extrapolam o setor elétrico”, aponta Barroso.
Neste cenário, surgem várias questões a partir de uma premissa: com a intensificação dos eventos climáticos, o risco de não atender à demanda cresce. “Há justificativa para eventos de força maior que se repetem mais de uma vez em uma década? É razoável alocar custos associados a esses fenômenos climáticos a todos os consumidores, que serão eles mesmo já afetados pelo cenário extremo? É preciso pensar em um seguro para proteção sobre as condições climáticas extremas, sobre quais delas?”
Há um outro ponto: o setor elétrico tem funcionado desde o início dos anos 2000 com contratos de longo prazo ancorados no mercado regulado. As usinas hidrelétricas recebem certificados de garantia física válidos por 35 anos. “Em 30 anos, esses empreendimentos poderão não ter a mesma condição de gerar que tinha no início e os reservatórios começam a ter mais questionamentos sobre o uso múltiplo das águas em momentos de seca ou inundação. “Apenas se os agentes reconhecerem que a mudança climática é um cenário usual de negócio eles terão incentivo para fazer sua parte”, diz Barroso.
Depois de duas décadas de discussão, o PLD Horário entrou em vigor em 1º de janeiro para o sistema elétrico nacional. Sua adoção permite valorizar melhor, por exemplo, o uso de fontes renováveis, como eólicas, que geram mais de madrugada quando o consumo é menor, e a solar, que gera durante o dia. Na operação do sistema, ele representa mais ferramentas para fomentar a modernização do setor, destaca Sinval Gama, diretor de operação do ONS. Hoje o Operador pode prever melhor a geração eólica e solar semi-horária, previsão de vazões diárias e restrições hidráulicas, um ponto importante, já que a água está tanto nos reservatórios das hidrelétricas como é usada no processo de geração das termelétricas a gás natural. “Com o sinal correto de preço que permite a alocação adequada dos custos, há uma contribuição para a modernização do setor”, analisa Gama. O ONS já iniciou estudos para análise dos custos de intervenção no sistema, que influencia o Custo Marginal de Operação (CMO). Para Gama, o PLD Horário traz sinaliz
ação adequada dos estudos de expansão, alocação adequada de custos e deverá permitir ainda uma redução significativa de encargos do sistema.