01 fev 2021

Transmissão: Desafios enfrentados e as perspectivas para 2021

Fonte.: CanalEnergia

ARTIGO
MARIO DIAS MIRANDA, DA ABRATE
Presidente executivo Abrate

O ano de 2020 demonstrou a inequívoca luta diante das incertezas trazidas pelo COVID-19, que alterou profundamente a forma de atuar na implantação de obras públicas e na prestação do serviço concessionado

O ano de 2020 demonstrou a inequívoca luta diante das incertezas trazidas pelo COVID-19, que alterou profundamente a forma de atuar na implantação de obras públicas e na prestação do serviço concessionado.

O enfrentamento da pandemia ensejou ações de todas as transmissoras associadas da ABRATE, que de imediato e de comum acordo estabeleceram novos protocolos com o objetivo de preservar a saúde e segurança de seus profissionais, aliados à continuidade da prestação de serviço que se tornou ainda mais essencial. A experiência vivenciada pela nossa associada italiana trouxe-nos ensinamentos que puderam ser replicados a todos. Em um momento sem precedentes, diante de tantas perdas, o desafio foi preservar a saúde ocupacional e a continuidade do serviço de operação e manutenção dos ativos de transmissão.

Entretanto, as frentes de implantação das obras advindas de leilão e das autorizações de Reforços sofreram sérios revezes devido aos atos das municipalidades, cujos Decretos proibiam a movimentação de pessoal, o que afetou o cronograma de construção e montagem. Várias foram as ações juntos aos Governos estaduais, prefeituras e fórum de secretários de energia, a fim de facilitarem os acessos e permitir a continuidade das obras – com segurança – dado o caráter essencial da transmissão.

Oportunamente, a ANEEL aprovou o prazo de cento e vinte dias de dilação nos cronogramas para mitigar tais efeitos externos que afetavam as obras. Também sua sensibilidade foi fundamental ao assegurar a preservação da cadeia financeira setorial, dado o avançar do programa de obras. Caso, contrário, os problemas seriam ainda maiores, ao se ter que renegociar de forma concatenada contratos com prestadores de serviços e fornecedores, em uma interminável discussão de causa-efeito. As transmissoras atenderam ao chamamento colaborativo feito pela ANEEL, ao aceitar a antecipação de pagamentos de parcelas de ajustes anuais devidas à contabilização positiva das transmissoras, face às alterações de programa de entrada em operação de instalações.

Houve um interessante movimento ajustado com a EPE, em que o tema ‘final de vida útil de equipamentos’ passou a ser insumo no planejamento setorial. Isto permitirá a avaliação estruturada de eventual necessidade de alteração da capacidade da instalação inicialmente programada para ter mera substituição, com sinal de melhor eficiência setorial.

Em novembro, o estado do Amapá foi duramente afetado pela interrupção do suprimento de energia elétrica, tendo em vista a ocorrência na única subestação que supre a distribuidora local, cuja causa é objeto de análise. Mesmo assim, o caso é emblemático para reflexão e ensinamentos para aprimoramentos, diante da inédita contingência tripla. Assim, algumas questões permitem o debate, a bem da segurança da prestação do serviço e do próprio processo de desenvolvimento do setor elétrico.

De início, ouve-se que se deveria construir rede elétrica própria em 230 kV com as usinas locais UHE F. Gomes e Caldeirão para suprir eventuais necessidades locais como geração distribuída, ou em 138 kV dado que a local UHE Coaracy Nunes opera nesta tensão, e, assim, afastaria a necessidade de passar pela subestação afetada. A questão é que estas usinas, embora de alta potência instalada, tem baixa energia garantida para o suprimento ao longo de todo ano, implicando na necessidade de geração termelétrica. No entanto, o planejamento setorial é calcado na avaliação de mínimo custo global, clamando por proposta sustentadas.

A expansão da transmissão em sistemas isolados sempre foi feita sem considerar a confiabilidade normal, seja o chamado “N-1”. Até os anos 80 tínhamos a maior linha de transmissão em 138 KV do mundo, cerca de 1.000 km, com todas as suas dificuldades para abastecer o Mato Grosso, a partir da subestação Rio Verde em Goiás. Hoje, convive-se com exuberante sistema de transmissão que integra as suas várias usinas ao Sistema Interligado Nacional – SIN. Ainda, nos anos 80, e por quase uma década, conviveu-se com a interligação Norte-Nordeste com somente uma linha de transmissão em 500 kV de Sobradinho (Bahia) a Belém no Pará, que passou a interligar os isolados oeste do Maranhão, e o estado do Pará. A região metropolitana de Belém, com grande polo industrial de alumínio, por sua vez, ficou quase 20 anos sendo atendida por somente um circuito. Por isto, como o arranjo elétrico foi similar a todos, fica a questão do porquê do ocorrido no Amapá, retornando às questões de confiabilidade sistêmica e dos equipamentos empregados.

O planejamento já evidenciava no horizonte de estudo a instalação do quarto transformador de força na SE Macapá, assim como do terceiro circuito da SE Jurupari até SE laranjal do Jari. Tudo dentro de um ritmo de atendimento às necessidades com enfoque de menor custo, uma vez que confiabilidade envolve recurso financeiro de acordo com a capacidade de pagamento pelo consumidor. Resta claro o óbvio, a de que o sistema não fora planejado além da simples ocorrência.

Assim, uma das questões que se assoma é o planejamento considerar também a variável logística em seu já complexo processo.

De fato, quando dos estudos de viabilidade da UHE Belo Monte, nos anos 90, optou-se pelo que é o traçado atual da linha de transmissão Tucuruí-Manaus-Macapá. Ficou patente o desafio épico: o de atender prioritariamente as cidades de Manaus e Macapá, atravessando florestas e grandes rios, com sua praticamente inexistência de condições de logística de fixação de pessoal, de transporte e de estrutura com oficinas especializadas.

O meio de transporte básico é fluvial, que depende da tábua das marés. As estradas são de terra. As oficinas para reparo de equipamentos, como os transformadores, ficam na região sul-sudeste, importando em prazos não convencionais para as providências necessárias.

Por outro lado, ao se especificar transformadores de força trifásicos, como os instalados na SE Macapá, com peso de 134 toneladas, exige movimentação como carga excepcional, com dificuldades para contratação de transporte e dependência maior das condições ambientais. Caso fossem especificados banco de transformadores monofásicos, para a mesma condição, estes teriam peso individual concentrado de cerca de 21 toneladas, e com as demais partes componentes separadas em torno de 16 toneladas, o que favoreceria em muito o transporte da carga. Isto permitiria facilitar e reduzir os prazos de transporte, minimizando a exposição diante da indisponibilidade de equipamentos, a bem da segurança operativa.

Os tempos amazônicos se contam em semanas

Outro ponto que merece reflexão tem a ver com a regulação setorial em sua aplicação homogênea nacional. Não há distinção da medição da prestação adequada do serviço frente às adversidades regionais, sejam climáticas ou de logística. Em algumas regiões do país se convive com os vandalismos (caçadores atirando em isoladores) e com as queimadas. Na Amazônia, mesmo empenhando seus melhores esforços, as adversidades são desproporcionalmente maiores, porém, o tratamento regulatório é o mesmo, gerando distorções na perda de receita devido ao tempo de indisponibilidade de equipamentos.

Cabe à transmissora prover de peças sobressalentes para atender as suas necessidades, visando minimizar suas eventuais perdas daquelas receitas por indisponibilidade. Mas, novamente, o ambiente regulatório não remunera tais materiais de reserva. Isto conduz a que muitos investidores, na etapa do leilão, ao tomar decisões se baseiem em indicadores estatísticos de falhas de equipamentos, assim como na estatística geral de aplicação da parcela variável descontada por indisponibilidade deles, como parte dos riscos técnicos que tomariam. Em condições normais tais decisões até que funcionam, mas não resistem às determinadas situações, seja de contingência dupla ou de dificuldades de logística.

Deve ser avaliada se, no processo de licitação de concessão de serviço público, para o ambiente da Amazônia, não se deveria alterar de leilão por lote de expansão localizada, mas, sim, de agrupar lotes, a fim de se contar com grandes transmissoras. Estas teriam maior capacidade de dotar de sobressalentes, com reserva regional, e com capacidade logística. Pois, ao se manter o atual modelo, há um incentivo de atração do investidor pelo menor custo, todavia, com maior risco no serviço prestado, devido à receita da concessão não permitir maiores planejamentos logísticos. Não se deve alocar somente ao investidor assumir os riscos do negócio. Mas, dotar de mecanismos mitigadores de riscos, evitando surpresas desagradáveis aos consumidores. O modelo de leilão, que tem sido de sucesso, merece ser reavaliado para aplicação no ambiente inóspito da Amazônia, em especial para sua margem esquerda.

A ocorrência com o suprimento ao Amapá, combinada com o ambiente de dificuldades do COVID-19, merece ser, sobretudo, uma possibilidade para repensar o modelo de atendimento à Amazônia, em todas as suas vertentes de governança e atuação.

Ao encerrar do ano, em dezembro ocorreu a única licitação de concessão da transmissão, o que ocorreu sob ambiente de pleno sucesso e que assegurará o atendimento de mercado e de prover a confiabilidade para os próximos anos. Foram contratadas a instalação de 16 linhas de transmissão, com total de 1.959 km, e de 12 subestações com capacidade de transformação de 6.540 MVA. A receita anual RAP contratada foi de R$ 457 milhões, devido ao deságio médio de 55,24%, que resulta na modicidade tarifária de R$ 14,2 bilhões. As obras deverão gerar 15.434 empregos diretores, tão necessários neste período.

Finalmente, para o ano entrante de 2021 temos o dever de superar o COVID-19, para redirecionar para os grandes desafios que se prenunciam:

  1. O debate propositivo da confiabilidade do sistema de transmissão, considerando a maior intensidade da geração distribuída, que requererá requisito de segurança;
  2. O amplo programa de substituição de equipamentos em final de vida útil física, de acordo com a capacidade financeira, vez que foi incorporada na receita os efeitos da então MP nº 579/2012 (sim, ainda falamos de seus efeitos), face às decisões judiciais que têm considerado legal a regulamentação da Lei nº 783/2013;
  3. Aprimoramento das medidas de segurança cibernética, face a realidade das subestações teleassistidas e do teletrabalho;
  4. A utilização em maior escala da digitalização dos equipamentos empregados, aumentando a eficiência e reduzindo custos;
  5. Desenvolvimentos dos estudos sobre o Sistema de Inteligência Analítica do Setor Elétrico – Transmissão SIASE T, fundamental para facilitar o acesso às informações a todos os agentes, além de buscar simplificação processual; e,
  6. Armazenamento de energia elétrica como elemento de segurança sistêmica.

O esforço e a dedicação daqueles que compõem o quadro de profissionais das associadas da Abrate e os resultados obtidos em um ano tão diferenciado nos motivam no esforço para a busca contínua da melhoria da qualidade da prestação do serviço que a cada ano vem atingindo metas desafiadoras de disponibilidade operacional, a bem dos usuários e da sustentabilidade do negócio.

Estamos preparados para os desafios de 2021!

Mario Dias Miranda é Presidente executivo ABRATE (Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica)